Dra Claudia Catafesta
Juíza da Vara de Adolescentes em Conflito com a Lei e Coordenadora do CEJUSC, ambos da Comarca de Londrina
ccatafesta@hotmail.com
*veja ao final artigo científico
Sinta-se parte responsável pelo enfrentamento da violência e pela disseminação da Cultura da Paz.
Uma das questões sociais mais complexas da atualidade diz respeito à violência. Como compreendê-la? Como combatê-la? Quem são os responsáveis por essa tarefa? O professor Luiz Eduardo Soares nos traz uma importante reflexão quando trata da temática, a partir da seguinte indagação: “do que estamos falando quando o assunto é violência”? Ela é tema que permeia o cotidiano da sociedade, seja na vivência de atos violentos, seja no consumo sem limites de notícias que envolvem violência, e a busca por alternativas para a promoção da pacificação social não cessa. Exemplos não faltam e, enquanto esse texto é escrito, certamente os veículos de imprensa e as mídias sociais estão reproduzindo notícias envolvendo a temática.
Num aparente paradoxo, sou convidada a pensar na seguinte frase: “Em 2040 a Londrina que queremos é – Londrina Cidade da Paz”. Essa é a temática da reflexão que se propõe nessas linhas e que traz um pouco das iniciativas e atitudes que o Poder Judiciário de Londrina têm realizado para contribuir na busca por uma sociedade livre, justa e solidária, garantida pela Constituição Federal de 1988 no seu artigo 3º. Apesar da amplitude da interpretação que se possa dar aos termos liberdade, justiça e solidariedade, é certo que ela passa longe de uma sociedade belicosa, intolerante e violenta.
Tenho dois filhos: Enzo, de 10 anos, e Felipe, de 3 anos. Em 2040, Enzo estará com 29 anos e Felipe com 22. Para além de todas as crianças e adolescentes que conheço por conta da minha atuação como juíza na Vara da Infância e Juventude, é nesses dois “pé vermelho”, nascidos nesta cidade tão acolhedora e que me deu raízes, que penso quando sou estimulada a refletir sobre o futuro da cidade.
Eu, enquanto cidadã, mãe e juíza, reconheço-me como responsável pela promoção dos direitos de crianças, adolescentes e jovens, para garantia prioritária de seus direitos, identificando-os como sujeitos (e não objeto da intervenção do Estado), visando à promoção de sociedades pacíficas e inclusivas. Mas é preciso que toda a comunidade londrinense sinta-se parte responsável pelo enfrentamento da violência e pela disseminação da cultura da paz, realizada há tantos anos e de forma tão ativa pela ONG Londrina Pazeando e pelo querido amigo Luis Claudio Galhardi, que me ensinou, em 2014, que pazear é um verbo e, portanto, depende de ação. Na sua forma subjuntiva, o verbo pazear depende que eu pazeie, que tu pazeies, que ele pazeie, que nós pazeemos, que vós pazeies e que eles pazeiem.
A partir dessas premissas, fica claro que o problema da violência e das infrações praticadas por adolescentes, público-alvo da minha atuação jurisdicional, não é um problema “do juiz” ou da segurança pública. A partir da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 e da criação do Sistema de Garantias de Direitos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, lei que completou 31 anos recentemente, é possível perceber que somente o envolvimento e engajamento de toda a comunidade, da família e do poder público é que trará resultados efetivos e soluções para o complexo problema da violência, tendo no horizonte, lá em 2040, a Londrina da Paz.
Compreendo que a proteção integral só é de fato materializada quando tomada como tarefa coletiva. E essa tarefa compartilhada envolve tanto a comunidade, quanto a família e o poder público. Uma das expressões da violência contra crianças e adolescentes em vivência mais intensa de processos de vulnerabilização é a arregimentação pelo tráfico de drogas. Essa entrada para o universo infracional e as ações que a integram são nomeadas, nos territórios de inserção social mais periférica, como “corre”. E qual a alternativa para que os adolescentes não sejam atraídos para o “corre” do tráfico? O que pode ser feito para que o crime não seja mais atraente que a pertença, a escola e a família? Essas são indagações feitas por muitos, inclusive pelas famílias, muitas cansadas e sem perspectivas. E são feitas também por profissionais como os conselheiros tutelares, que recebem essas famílias, angustiadas e aflitas, em busca de respostas e soluções.
Para tentar responder a essas indagações e para dar um novo sentido e significado à expressão “corre”, eu e uma comissão de conselheiros tutelares pensamos em promover uma ação que envolvesse e fortalecesse as famílias, as comunidades locais, gerando a cooperação e a corresponsabilização entre estes entes, os quais têm o dever legal de proteger e garantir o melhor desenvolvimento para os adolescentes, inclusive a partir da prática de esportes em família, entre eles a corrida.
Assim, idealizou-se o projeto “Corre em família”, lançado em 18 de novembro de 2020, dia do Conselheiro Tutelar. Ele é a materialização da união de diversos atores do Sistema de Garantia de Direitos, do Sistema de Justiça, da comunidade e das famílias, para promover ações de proteção social e construção de união de propósitos e forças entre diversos atores da rede de atendimento local. O projeto pretende resgatar valores como companheirismo, ressignificação, respeito e empatia (o acróstico da palavra corre) e dar novo sentido a essa expressão. O trabalho contempla prioritariamente adolescentes que estão no território em situação de desproteção social com risco de envolvimento com atividades ilícitas – vivências que já têm implicado a procura por apoio no Conselho Tutelar por parte de seus familiares e responsáveis.
Por meio das metodologias da Justiça Restaurativa e da Comunicação Não Violenta, o projeto tem potencial para contribuir na (re)construção e fortalecimento dos laços de pertença e de senso comunitário que podem alterar o curso do movimento de desproteção e vulnerabilização tanto dos adolescentes quanto de seus responsáveis. A prevenção do envolvimento dos adolescentes com a criminalidade é o principal foco do projeto e ações como o engajamento da Polícia Militar nesta iniciativa revelaram-se inovadoras e já apresentam resultados promissores.
Se a Londrina que queremos em 2040 é a Londrina Cidade da Paz, continuemos pazeando… e pazeando juntos!!!
*veja artigo científico
https://www.indexlaw.org/index.php/acessoajustica/article/view/7827/pdf
Organização Comitê Científico
Double Blind Review pelo SEER/OJS
JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS ESCOLAS E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO: A GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA COMEÇA NA INFÂNCIA Claudia Catafesta1
Resumo: O artigo almeja identificar o papel do Poder Judiciário contemporâneo e os desafios da jurisdição da infância e juventude na busca de soluções para os problemas sociais envolvendo violência, observados os princípios éticos de atuação judicial. A Justiça Restaurativa nas escolas é uma política pública adequada para a promoção de uma sociedade justa, pacífica e solidária, compreendendo-a como uma forma de acesso à justiça desde a infância. A pesquisa de tipo bibliográfica e empírica permitiu concluir que o Poder Judiciário pode garantir, por meio do seu protagonismo na inclusão da Justiça Restaurativa nas escolas, o acesso à justiça.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Escola. Poder Judiciário. Acesso à justiça. Infância e juventude.