Universidade Pitágoras Unopar
Avenida Paris, 675 Jardim Burle Marx CEP: 86047-790
Edwy Taques de Araújo, 900 Fone: 33717920
Diretora: Flávia Pelissari Pomin Frutos
Texto Professora
Cíntia Helena dos Santos
A Londrina que queremos, juntos.
A inspiração para escrever sobre o futuro desta cidade que é minha casa vem do percurso do Programa de Extensão Juntos da Universidade Pitágoras Unopar. Iniciamos no ano de 2015, com o Projeto Audiências de Custódia. Aqueles liberados nesta audiência, realizadas até 72 horas depois de uma prisão em flagrante para verificar a legalidade e necessidade da prisão, eram entrevistados rapidamente na saída da audiência e convocados a participar de um Círculo de Construção de Paz. Convém ressaltar que a liberação não significa impunidade, apenas a possibilidade de responder à acusação em liberdade. Em geral, são liberados os primários, que tem endereço fixo e atividade laborativa e ou educacional.
Os círculos são uma oferta de cerca de duas horas de uma comunicação não violenta, onde é criado um espaço seguro para que todos possam falar e ouvir com empatia e respeito, sem julgamentos, conselhos… Um espaço de conexão com o que nos torna humanos, ainda que absolutamente diversos. Esse encontro humano possibilita que transformemos nossos conflitos, assim como transformemos a nós mesmos, como orienta Kay Pranes, idealizadora da prática. A potência desses encontros em levar os participantes a encontrar e partilhar seus sentimentos, conflitos e dores, e também as ferramentas que já temos em nós para restaurá-los, nos levou a ampliar as ações.
Começamos a oferecer os círculos na execução de penas nos regimes fechado, semiaberto e aberto, tanto para os homens quanto para as mulheres condenadas. Também oferecemos para os homens acusados de praticar violência doméstica, para as mulheres denunciantes também. Em resumo, os resultados de uma prática tão simples no sentido de produzir relações mais respeitosas conosco, com os outros e com as coisas, nos encorajou a ofertar os círculos onde haviam alunos interessados em realizar suas práticas, resultando em parceria com e educação, com assistência e com a saúde do município, com círculos oferecidos tanto para os usuários quanto para os trabalhadores dos serviços destas políticas públicas.
Considerando que a experiência humana de existir não existe sem conflitos, a Londrina que queremos é uma cidade que oferece em suas políticas públicas, conjunto de regramentos que faz com que os direitos humanos fundamentais cheguem até as pessoas, contém com essa forma de resolução das adversidades. Como nos mostra Marshal Rosemberg, que propõe a comunicação não violenta, diferente dos animais que tem instintos que orientam suas escolhas, nós podemos escolher e desenvolver formas não violentas de falar e de ouvir.
Além de estar nas políticas públicas, destacamos a importância dessa prática de desenvolvimento socioemocional na formação profissional. Precisamos formar profissionais que tenham habilidades emocionais que possibilitem que entreguem os seus conhecimentos técnicos, profissionais a todos e sempre. Muitas vezes os julgamentos advindos do sistema de valores e crenças dos profissionais os impedem de fazer essa entrega, descaracterizando sua ação como profissional. Uma política pública do alcance seu objetivo de garantir direitos se os fazeres dos profissionais estiverem presentes.
Enfim, estamos Juntos para ofertar esses espaços para os trabalhadores e usuários das políticas de justiça, educação, saúde e assistência, e também para os profissionais em formação como estratégia de atuação num presente que constrói um futuro na perspectiva de uma Cultura de Paz. E a Paz começa com o acesso a direitos, e se amplia quando nos reconhecemos nos outros, o que nos inspira a cumprir nossos deveres em relação aos direitos dos outros. Sempre que um humano tem direito, os outros humanos tem deveres para que este direito se concretize.
Nossa proposta é fortalecer, com o apoio das universidades, o CEJUSC, Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania para a ampliação das ofertas de soluções consensuais. As universidades podem se organizar via Núcleo de Educação para a Paz, que congrega todas as unidades de ensino superior da cidade.
Texto alunas psicologia
Patrícia Pelizaro
Rosana Ap. Fransolin Magri
Londrina, cidade da paz!
Sonhei-te pequena, Londrina
encontrei-te jovem
e abraço-te como
mulher “Apoema”
para “Juntos” construirmos teu futuro…
(Patrícia Pelizaro)
Sonhar-te Apoema -“aquela que enxerga além”, a Londrina do futuro, tem um significado especial para nós mulheres e estagiárias do curso de psicologia da Universidade Pitágoras-Unopar de Londrina. Sonhar-te junto a realidade da nossa própria história e a partir do nosso encontro pessoal com a Justiça Restaurativa e a Comunicação Não Violenta, é um desafio que nos faz crescer. Pelo projeto de extensão Juntos, fomos desafiadas a levar cuidado e acolhimento para as mulheres denunciantes da violência doméstica no Fórum, na reunião da medida protetiva realizada pela vara Maria da Penha. Através da construção de um espaço seguro e apoiadas na metodologia dos Círculos de Construção de Paz, foi possível criar um momento de conexão, capaz de trazer segurança para falar sobre sentimentos, medos, e enxergar, mesmo que em meio a dor, saídas e possibilidades para um maior cuidado de si naquele momento de decisão sobre as medidas protetivas. Percebemos que o poder pessoal, ainda que abalado pelos conflitos externos e internos, permanece dentro de nós, aguardando ser resgatado e trazido à tona. Segundo Watson & Pranis (2011), se fazem necessárias práticas para criar hábitos de viver a partir da nossa verdadeira natureza, a partir do nosso eu verdadeiro, para que possamos, alinhados com nossos valores, construir relacionamentos saudáveis em família e em comunidade. Por meio dos pressupostos centrais, as práticas circulares trazem a possibilidade de estarmos juntos de um modo onde cada um é respeitado como chega e com o que possui, evitando dessa forma, práticas que levem à revitimização das mulheres denunciantes dentro dos espaços jurídicos.
A proposta dos círculos nos tocou para essa realidade, ainda que em momentos de medo e desespero e em situação adversa, o poder da conexão humana se manifesta quando se cria um espaço facilitador onde a sabedoria coletiva vem apoiar na tomada de decisões mais assertivas, a enxergar saídas e a transformar os conflitos internos. Conflitos que se tratados se transformam em poder de decisão que se concretiza em ações mais positivas em favor de si e das outras pessoas. Percebemos que não éramos nós, as estagiárias de psicologia oferendo ajuda a elas, as mulheres vítimas de violência doméstica, ali, naquele espaço, éramos todas mulheres, o que nos permitia estarmos conectadas, nos apoiava a olhar para nossos sentimentos e necessidades e nos tornava mais capazes de cuidar deles. Os círculos têm esse efeito humanizador, de acordo com Rosemberg (2006), a comunicação Não Violenta é uma abordagem específica da comunicação, uma maneira de falar e ouvir que nos leva a uma entrega de coração, ligando-nos a nós mesmos e aos outros permitindo que nossa compaixão natural floresça. Baseia-se em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos, mesmo em condições adversas.
Sensibilizadas pela necessidade de outros espaços de acolhimento, escuta e fala que se estendessem para o cotidiano da vida das mulheres, onde as pequenas violências acontecem e são naturalizadas, e pensando no pequeno número de mulheres que denunciam a violência e que buscam informações e proteção judicial e na outra enorme quantidade que não tem acesso a serviços e informações que as tornariam mais conscientes a exercer o autocuidado e a autoproteção e a buscar seus direitos básicos a uma vida mais digna, ampliamos a proposta para a Clínica Escola. Como orienta Zehr (2010), a Justiça Restaurativa é uma nova maneira de lidar com os conflitos porque coloca o foco nas pessoas e nos relacionamentos e não apenas nas questões jurídicas. Uma das práticas de aplicar essa intervenção é o círculo de construção de paz.
Passamos a nos reunir em encontros semanais oferecidos a todas as mulheres da comunidade interessadas em se conhecer e em se fortalecer para uma vida mais autônoma. Foi isso que aconteceu conosco, crescemos juntas nesse processo, identificamos violências naturalizadas em nós, nos tornamos mais seguras, mais ousadas, mais criativas e mais animadas a levar para outras mulheres essa proposta. Esse desejo de promover encontros voltou a ser sonho quando nos vimos na pandemia do COVID-19. O fato era que, pela necessidade do distanciamento físico, os encontros só poderiam acontecer pelo meio virtual, e mais uma vez, o grupo de mulheres Apoema enxergou além e se desafiou a crescer e a aprender com quem já sabia e lançou-se pelo espaço virtual.
Os encontros, agora adaptados e denominados Círculos virtuais, continuam acontecendo de forma online, semanalmente, e tem sido rede de apoio e fortalecimento para mulheres de Londrina, do Brasil e do mundo. Trazemos aqui essa história viva, real, borbulhando dentre muitas outras que estão acontecendo pela cidade, com a intenção de um olhar mais realista para a promoção de uma cultura de paz visível e sentida nos espaços públicos, nos serviços de assistência à saúde, nas escolas, nas associações de bairro, nas universidades e etc. Quando enxergamos além e nos desafiamos a crescer rumo a paz, construirmos uma cidade do futuro repleta de espaços de encontros onde todos sejam vistos, aceitos e pertencentes. Uma Londrina cada vez mais humana.
Entendemos que não seria possível pensar a Londrina do futuro sem pensar em mulheres, homens, jovens e crianças que sonham, que enxergam além, que exercitam o poder pessoal em benefício do todo e que misturam suas histórias pessoais com a história da cidade “circular” que sonhamos e que queremos construir – a Londrina da Paz.
Alunas do curso de psicologia e facilitadoras de Círculos de Construção da Paz – Projeto Apoema.
REFERÊNCIAS
ROSENBERG, MARSHALL B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.
ZEHR, Howard . Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tânia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.
PRANIS, Kay; BOYES-WATSON, Carolyn. No Coração da Esperança: Guia de Práticas Circulares. Trad. Fátima De Bastiani. Porto Alegre: Departamento de Artes Gráficas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2010.